terça-feira, 11 de agosto de 2015

Tipos & Dicas - Avant Garde

Avant Garde

A história por trás da fonte que marcou as décadas de 60 e 70



Por Ricardo Pagemaker

Uns a amam, outros a odeiam, mas é impossível ficar indiferente à fonte Avant Garde. Particularmente, sempre a adorei. Na verdade, não conseguia (nos anos 80) entender como alguns substituíam uma fonte tão bem desenhada, pela Futura ou pela Helvetica. Não desdenhando de nenhuma destas duas, mas acreditava que a Avant Garde encarnava, como nenhuma outra fonte, a idéia de futuro ou modernidade. Mesmo que você seja do time dos que “odeiam” a Avant Garde, vai ficar muito surpreso por conhecer a história de como este autêntico ícone de uma época veio ao mundo, a princípio não como uma fonte, mas como um logotipo.

Em 1967, o designer de tipos e fotógrafo Herb Lubalin foi convidado pelo ex-editor da polêmica revista Eros, Ralph Ginzburg (morto em julho deste ano), para criar o logotipo de seu mais novo projeto: a Avant Garde Magazine. Lubalin e Ginzburg já haviam trabalhado juntos em diversas ocasiões e os dois partilhavam de uma mesma “freqüência criativa”. Sempre que Ginzburg precisava de uma solução em termos de design, dava um leve esboço do que queria a Lubalin, que aparecia com um trabalho praticamente finalizado. A única exceção foi o logo para a Avant Garde...

Como de costume Ginzburg tinha enviado uma prévia do editorial e alguns spots do que ia ser a revista. Em resposta, Herb Lubalin enviou dois logos que foram prontamente recusados. Um deles remetia às letras manuscritas, utilizadas na primeira garrafa de Coca-Cola, enquanto o outro utilizava caracteres hebraicos.

Ginzburg e sua mulher e parceira, Shoshana, concordavam que os dois logos criados pelo amigo eram muito bons e poderiam ser utilizados por qualquer revista, mas não pela Avant Garde. Para ambos, a revista teria um editorial “elaborado e descontraído, sobre arte e política”, tendo como público-alvo “pessoas à frente de seu tempo”. Aliás, como uma expressão deste espírito, o nome Avant Garde tinha sido cunhado pela própria Shoshana.
Como já haviam se passado duas semanas e Lubalin não conseguia “entrar no espírito”, Ginzburg pediu à sua mulher que fosse pessoalmente explicar o conceito do novo veículo ao designer.

Inicialmente ela explicou a Lubalin que “sua” Avant Garde nada tinha a ver com o movimento niilista alemão, de mesmo nome. Seria uma revista com uma proposta inteiramente nova e precisaria de uma idéia inovadora e original em termos de design e comunicação visual. Para ilustrar suas idéias, Shoshana pediu a Lubalin que pensasse em um destes modernos terminais de aeroportos, com suas formas geométricas e sua sinalização limpa e clara. Então, ela pediu que ele imaginasse um moderno jato “decolando rumo ao futuro”. Neste momento, Shoshana fez um movimento diagonal com sua mão, simulando a decolagem. E o repetiu por diversas vezes.

Aquele movimento ficou gravado na memória do artista. Tão logo Shoshana saiu de seu estúdio, Lubalin começou a rabiscar algumas idéias, levando em consideração tudo o que tinha ouvido. A “viagem” de Shoshana tinha surtido o efeito desejado. Na manhã seguinte, Lubalin estava tão entusiasmado com o projeto que não conseguiu esperar para ligar para os amigos. Antes mesmo de chegar a seu estúdio, ele ligou da rua para Ralph Ginzburg: “Eu consegui, eu consegui! Você vai ver!”.

Ao criar o logotipo da nova publicação, Lubalin não
imaginava que estava criando uma nova fonte tipográfica

Baseado no desenho de formas geométricas da escola Bauhaus (anos 1920), Lubalin criou um logotipo com formas geométricas simples; círculos perfeitos, linhas retas e perpendiculares. Seu traço ficava entre a Futura e a Helvetica. Além disso, para criar um conjunto forte, Lubalin utilizou um ajuste entreletras bastante apertado, causando sobreposições propositais em algumas letras (ligaturas). Ele usou as letras “A” e “V” inclinadas e tão juntas que mais pareciam fatias de uma torta. O “T” era formado, em parte, pela haste final da letra “N”. O “G”, uma circunferência perfeita, encaixava-se no “A”, que por sua vez, fazia ângulo com o “A” da linha superior, criando uma única linha inclinada. Uma linha que Shoshana reconheceu, mais tarde, como sendo o mesmo ângulo da decolagem de seu avião imaginário.

Aquele não era apenas um logotipo. Sua construção cuidadosa estava muito mais próxima de uma genuína obra de arquitetura ou obra de arte. O conjunto era uma idéia muito heterodoxa para a época, pois contrariava as normas tipográficas tradicionais, mas representava muito bem o espírito de inovação do final da década de 1960.

Ligaturas e Alternates: 
Marcas registradas do traço de Lubalin e Carnase

Uma boa idéia, no entanto, não é nada sem uma boa finalização. Para este trabalho, Lubalin contou com ajuda de outro grande nome do design moderno, Tom Carnase, seu sócio no estúdio Lubalin Smith Carnase. 

Depois, Lubalin decidiu estender o conceito do logotipo para os títulos de todas as seções da revista. Então Carnase projetou, sozinho, os caracteres restantes e criou todas as ligaturas adicionais. Após ter feito um punhado destes títulos, Carnase compreendeu que já tinha caracteres o bastante para completar um alfabeto inteiro, em vez de desenhá-los individualmente, e que seria mais proveitoso criar uma matriz em filme (fotoletra) para uso no estúdio.

Ganhando o mundo
De janeiro de 1968 até meados de 1971, a Avant Garde Magazine, mesmo com uma tiragem reduzida, provocou um dramático impacto na cultura americana.
Mas a revista fez “um pouco mais” do que simplesmente mexer com o panorama cultural americano.

Com seu conteúdo adulto, textos com linguagem direta e nudez explícita, caiu nas graças de publicitários, diagramadores e diretores de arte. Estes profissionais ficaram tão impressionados com o novo tipo utilizado na Avant Garde, que uma empresa chamada Photolettering Inc. copiou e começou a vender matrizes da fonte e de muitas das ligaturas, sem qualquer tipo de permissão.

Do mesmo modo, Lubalin e Carnase passaram a receber solicitações para uso de sua nova fonte em muitos outros lugares. Ambos perceberam logo que a Avant Garde deveria ser lançada como uma fonte comercial, desatrelada da revista.

E foi assim que, em 1970, Lubalin e Carnase desenharam a versão final da fonte Avant Garde Gothic, distribuída até hoje por empresas como ITC, Linotype e Bitstream.

O legado de Lubalin
Em 1974, a ITC percebeu que a Avant Garde merecia uma “extensão de linha” e convidou ninguém menos que Ed Benguiat para desenhar uma versão condensada da fonte. Do mesmo modo, as versões obliques (itálicas) surgiram em 1977, pelas mãos dos designers André Gürtler, Erich Gschwind e Christian Mengelt. Finalmente, em 1983, a ITC lançou a Avant Garde Mono, uma versão monoespaçada feita por Ned Bunnel.

Mesmo sem as clássicas ligaturas, a fonte seguiu seu caminho, alcançando enorme sucesso. Como prova disso, quando a Apple Computer lançou em 1985 a primeira versão de sua Apple LaserWriter, uma cópia da Avant Garde vinha gravada na memória da impressora.

Atendendo ao apelo de designers do mundo todo, a ITC lançou em outubro de 2005 a família Avant Garde Gothic Pro, com todas as ligaturas originalmente desenhadas por Lubalin e Carnase.

Clássica e moderna: Quase 40 anos depois, a Avant Garde continua em uso.

Mesmo sendo uma fonte não recomendada para uso em textos longos, a Avant Garde vem sendo utilizada em títulos, embalagens, capas de livros e tudo o que precisa de “um toque” de modernidade ou de menções aos anos 60 e 70.

Lubalin, morto em 1981, certamente não concordaria com o uso exagerado da fonte, mas, onde estiver, ele deve estar muito satisfeito com o sucesso que ela tem feito, especialmente entre as novas gerações de publicitários e designers.

Eu confesso... Para mim, ela nunca saiu de moda!

Onde encontrar a Avant Garde
Você pode encontrar a fonte Avant Garde (versão limitada) nos pacotes Font Folio (Adobe), nos pacotes da Bitstream e na Suíte CorelDRAW.
Para acessar a nova Avant Garde Gothic Pro (com todas as ligaturas) você pode ir direto ao site www.fonts.com.

Os pais da criança!


Herb Lubalin
(Herbert Frederick)
(1918 - 1981)
Lubalin nasceu em Nova Iorque. Foi designer, produtor de tipos, diretor de arte e professor. Pode-se dizer que foi um dos mais influentes designers de sua época, juntamente com Milton Glaser e Louis Dorfsman, tendo estudado com ambos na Cooper Union, entre 1936 e 1939. Depois de trabalhar em diversas agências, editoras e estúdios, fundou a International Typeface Corporation (ITC) com Aaron Burns, em 1970. Lecionou na Cornell University de 1976 até sua morte.
Lubalin ganhou diversos prêmios e participou de inúmeras exibições, incluindo uma mostra especial no Centre Georges Pompidou, em Paris (1979).
Entre suas fontes, podemos destacar:
  • Avant Garde Gothic (com Tom Carnase)
  • Ronda (com Tom Carnase)
  • Lubalin Graph
  • Serif Gothic (com Tony DiSpigna)


Tom Carnase
Nasceu em Nova Iorque em 1939. Foi designer, produtor de tipos e professor.
Após completar seus estudos, em 1959, ingressou no mundo da propaganda, trabalhando como designer freelance para diversas empresas. Entre 1969 e 1979 foi sócio de Herb Lubalin na Lubalin, Smith, Carnase Inc., de onde saiu em 1979 para fundar a Carnase Computer Typography Studio. Em 1980 Carnase torna-se co-fundador and presidente da agência independente World Typeface Centre, entrando em concorrência direta com a ITC. Além do design de tipos, Carnase dedicou-se ao desenvolvimento de embalagens, identidades corporativas e logotipos para diversos clientes, incluindo ABC, CBS, Coca-Cola e NBC.
Lecionou em diversas instituições, como University of Cincinnati (Ohio), Universidade de Monterrey (México) e no Rochester Institute of Technology, em Nova Iorque, além de outras.
Atualmente, Tom Carnase trabalha em seu próprio estúdio (www.carnase.com), em Miami, Flórida.
Entre suas fontes, podemos destacar:

  • Avant Garde Gothic (com Herb Lubalin)
  • Bolt
  • Busorama
  • Honda (com Herb Lubalin)
  • Machine
  • Manhattan
  • Pioneer

Um comentário:

  1. Maravilhoso estudo, muito coeso e direto! Auxiliou-me muito na minha pesquisa para História do Design, para a Faculdade Inap! Muito obrigado, Deus lhe abençoe!!!

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