Avant Garde
A história por trás da fonte que marcou as décadas de 60 e 70
Por
Ricardo Pagemaker
Uns
a amam, outros a odeiam, mas é impossível ficar indiferente à
fonte Avant Garde. Particularmente, sempre a adorei. Na verdade, não
conseguia (nos anos 80) entender como alguns substituíam uma fonte
tão bem desenhada, pela Futura ou pela Helvetica. Não desdenhando
de nenhuma destas duas, mas acreditava que a Avant Garde encarnava,
como nenhuma outra fonte, a idéia de futuro ou modernidade. Mesmo
que você seja do time dos que “odeiam” a Avant Garde, vai ficar
muito surpreso por conhecer a história de como este autêntico ícone
de uma época veio ao mundo, a princípio não como uma fonte, mas
como um logotipo.
Em
1967, o designer de tipos e fotógrafo Herb Lubalin foi convidado
pelo ex-editor da polêmica revista Eros, Ralph Ginzburg (morto em
julho deste ano), para criar o logotipo de seu mais novo projeto: a
Avant Garde Magazine. Lubalin e Ginzburg já haviam trabalhado juntos
em diversas ocasiões e os dois partilhavam de uma mesma “freqüência
criativa”. Sempre que Ginzburg precisava de uma solução em termos
de design, dava um leve esboço do que queria a Lubalin, que aparecia
com um trabalho praticamente finalizado. A única exceção foi o
logo para a Avant Garde...
Como
de costume Ginzburg tinha enviado uma prévia do editorial e alguns
spots do que ia ser a revista. Em resposta, Herb Lubalin enviou dois
logos que foram prontamente recusados. Um deles remetia às letras
manuscritas, utilizadas na primeira garrafa de Coca-Cola, enquanto o
outro utilizava caracteres hebraicos.
Ginzburg
e sua mulher e parceira, Shoshana, concordavam que os dois logos
criados pelo amigo eram muito bons e poderiam ser utilizados por
qualquer revista, mas não pela Avant Garde. Para ambos, a revista
teria um editorial “elaborado e descontraído, sobre arte e
política”, tendo como público-alvo “pessoas à frente de seu
tempo”. Aliás, como uma expressão deste espírito, o nome Avant
Garde tinha sido cunhado pela própria Shoshana.
Como
já haviam se passado duas semanas e Lubalin não conseguia “entrar
no espírito”, Ginzburg pediu à sua mulher que fosse pessoalmente
explicar o conceito do novo veículo ao designer.
Inicialmente
ela explicou a Lubalin que “sua” Avant Garde nada tinha a ver com
o movimento niilista alemão, de mesmo nome. Seria uma revista com
uma proposta inteiramente nova e precisaria de uma idéia inovadora e
original em termos de design e comunicação visual. Para ilustrar
suas idéias, Shoshana pediu a Lubalin que pensasse em um destes
modernos terminais de aeroportos, com suas formas geométricas e sua
sinalização limpa e clara. Então, ela pediu que ele imaginasse um
moderno jato “decolando rumo ao futuro”. Neste momento, Shoshana
fez um movimento diagonal com sua mão, simulando a decolagem. E o
repetiu por diversas vezes.
Aquele
movimento ficou gravado na memória do artista. Tão logo Shoshana
saiu de seu estúdio, Lubalin começou a rabiscar algumas idéias,
levando em consideração tudo o que tinha ouvido. A “viagem” de
Shoshana tinha surtido o efeito desejado. Na manhã seguinte, Lubalin
estava tão entusiasmado com o projeto que não conseguiu esperar
para ligar para os amigos. Antes mesmo de chegar a seu estúdio, ele
ligou da rua para Ralph Ginzburg: “Eu consegui, eu consegui!
Você vai ver!”.
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Ao criar o logotipo da nova publicação, Lubalin não
imaginava que estava criando uma nova fonte tipográfica
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Baseado
no desenho de formas geométricas da escola Bauhaus (anos 1920),
Lubalin criou um logotipo com formas geométricas simples; círculos
perfeitos, linhas retas e perpendiculares. Seu traço ficava entre a
Futura e a Helvetica. Além disso, para criar um conjunto forte,
Lubalin utilizou um ajuste entreletras bastante apertado, causando
sobreposições propositais em algumas letras (ligaturas). Ele usou
as letras “A” e “V” inclinadas e tão juntas que mais
pareciam fatias de uma torta. O “T” era formado, em parte, pela
haste final da letra “N”. O “G”, uma circunferência
perfeita, encaixava-se no “A”, que por sua vez, fazia ângulo com
o “A” da linha superior, criando uma única linha inclinada. Uma
linha que Shoshana reconheceu, mais tarde, como sendo o mesmo ângulo
da decolagem de seu avião imaginário.
Aquele
não era apenas um logotipo. Sua construção cuidadosa estava muito
mais próxima de uma genuína obra de arquitetura ou obra de arte. O
conjunto era uma idéia muito heterodoxa para a época, pois
contrariava as normas tipográficas tradicionais, mas representava
muito bem o espírito de inovação do final da década de 1960.
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Ligaturas e Alternates:
Marcas registradas do traço de Lubalin e Carnase
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Uma
boa idéia, no entanto, não é nada sem uma boa finalização. Para
este trabalho, Lubalin contou com ajuda de outro grande nome do
design moderno, Tom Carnase, seu sócio no estúdio Lubalin Smith
Carnase.
Depois, Lubalin decidiu estender o conceito do logotipo para
os títulos de todas as seções da revista. Então Carnase projetou,
sozinho, os caracteres restantes e criou todas as ligaturas
adicionais. Após ter feito um punhado destes títulos, Carnase
compreendeu que já tinha caracteres o bastante para completar um
alfabeto inteiro, em vez de desenhá-los individualmente, e que seria
mais proveitoso criar uma matriz em filme (fotoletra) para uso no
estúdio.
Ganhando
o mundo
De
janeiro de 1968 até meados de 1971, a Avant Garde Magazine, mesmo
com uma tiragem reduzida, provocou um dramático impacto na cultura
americana.
Mas
a revista fez “um pouco mais” do que simplesmente mexer com o
panorama cultural americano.
Com
seu conteúdo adulto, textos com linguagem direta e nudez explícita,
caiu nas graças de publicitários, diagramadores e diretores de
arte. Estes profissionais ficaram tão impressionados com o novo tipo
utilizado na Avant Garde, que uma empresa chamada Photolettering Inc.
copiou e começou a vender matrizes da fonte e de muitas das
ligaturas, sem qualquer tipo de permissão.
Do
mesmo modo, Lubalin e Carnase passaram a receber solicitações para
uso de sua nova fonte em muitos outros lugares. Ambos perceberam logo
que a Avant Garde deveria ser lançada como uma fonte comercial,
desatrelada da revista.
E
foi assim que, em 1970, Lubalin e Carnase desenharam a versão final
da fonte Avant Garde Gothic, distribuída até hoje por empresas como
ITC, Linotype e Bitstream.
O
legado de Lubalin
Em
1974, a ITC percebeu que a Avant Garde merecia uma “extensão de
linha” e convidou ninguém menos que Ed Benguiat para desenhar uma
versão condensada da fonte. Do mesmo modo, as versões obliques
(itálicas) surgiram em 1977, pelas mãos dos designers André
Gürtler, Erich Gschwind e Christian Mengelt. Finalmente, em 1983, a
ITC lançou a Avant Garde Mono, uma versão monoespaçada feita por
Ned Bunnel.
Mesmo
sem as clássicas ligaturas, a fonte seguiu seu caminho, alcançando
enorme sucesso. Como prova disso, quando a Apple Computer lançou em
1985 a primeira versão de sua Apple LaserWriter, uma cópia da Avant
Garde vinha gravada na memória da impressora.
Atendendo
ao apelo de designers do mundo todo, a ITC lançou em outubro de 2005
a família Avant Garde Gothic Pro, com todas as ligaturas
originalmente desenhadas por Lubalin e Carnase.
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| Clássica e moderna: Quase 40 anos depois, a Avant Garde continua em uso. |
Mesmo
sendo uma fonte não recomendada para uso em textos longos, a Avant
Garde vem sendo utilizada em títulos, embalagens, capas de livros e
tudo o que precisa de “um toque” de modernidade ou de menções
aos anos 60 e 70.
Lubalin,
morto em 1981, certamente não concordaria com o uso exagerado da
fonte, mas, onde estiver, ele deve estar muito satisfeito com o
sucesso que ela tem feito, especialmente entre as novas gerações de
publicitários e designers.
Eu
confesso... Para mim, ela nunca saiu de moda!
Onde
encontrar a Avant Garde
Você
pode encontrar a fonte Avant Garde (versão limitada) nos pacotes
Font Folio (Adobe), nos pacotes da Bitstream e na Suíte CorelDRAW.
Para
acessar a nova Avant Garde Gothic Pro (com todas as ligaturas) você
pode ir direto ao site www.fonts.com.
Os pais da criança!
(1918
- 1981)
Lubalin
nasceu em Nova Iorque. Foi designer, produtor de tipos, diretor de
arte e professor. Pode-se dizer que foi um dos mais influentes
designers de sua época, juntamente com Milton Glaser e Louis
Dorfsman, tendo estudado com ambos na Cooper Union, entre 1936 e
1939. Depois de trabalhar em diversas agências, editoras e estúdios,
fundou a International Typeface Corporation (ITC) com Aaron Burns, em
1970. Lecionou na Cornell University de 1976 até sua morte.
Lubalin
ganhou diversos prêmios e participou de inúmeras exibições,
incluindo uma mostra especial no Centre Georges Pompidou, em Paris
(1979).
Entre
suas fontes, podemos destacar:
- Avant Garde Gothic (com Tom Carnase)
- Ronda (com Tom Carnase)
- Lubalin Graph
- Serif Gothic (com Tony DiSpigna)
Tom
Carnase
Nasceu
em Nova Iorque em 1939. Foi designer, produtor de tipos e professor.
Após
completar seus estudos, em 1959, ingressou no mundo da propaganda,
trabalhando como designer freelance para diversas empresas. Entre
1969 e 1979 foi sócio de Herb Lubalin na Lubalin, Smith, Carnase
Inc., de onde saiu em 1979 para fundar a Carnase Computer Typography
Studio. Em 1980 Carnase torna-se co-fundador and presidente da
agência independente World Typeface Centre, entrando em concorrência
direta com a ITC. Além do design de tipos, Carnase dedicou-se ao
desenvolvimento de embalagens, identidades corporativas e logotipos
para diversos clientes, incluindo ABC, CBS, Coca-Cola e NBC.
Lecionou
em diversas instituições, como University of Cincinnati (Ohio),
Universidade de Monterrey (México) e no Rochester Institute of
Technology, em Nova Iorque, além de outras.
Atualmente,
Tom Carnase trabalha em seu próprio estúdio (www.carnase.com), em
Miami, Flórida.
Entre
suas fontes, podemos destacar:
- Avant Garde Gothic (com Herb Lubalin)
- Bolt
- Busorama
- Honda (com Herb Lubalin)
- Machine
- Manhattan
- Pioneer







Maravilhoso estudo, muito coeso e direto! Auxiliou-me muito na minha pesquisa para História do Design, para a Faculdade Inap! Muito obrigado, Deus lhe abençoe!!!
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